Poderes e Perigos

Por Laura Hamonyta e Nathielly Ribeiro

Mary Douglas, no capítulo intitulado “Poderes e Perigos”, do seu Pureza e Perigo, traz-nos inicialmente, uma rica reflexão acerca dos conceitos de ordem e desordem. A desordem perturba as nossas mentes, porque ameaça a ordem, estraga o padrão. No, entanto a desordem aparece para nós, tanto de maneira nociva, como de maneira poderosa. “Assim, a desordem por implicação é ilimitada, nenhum padrão é realizado  nela, mas é indefinido seu potencial para padronização. Daí  por que, embora  procuremos criar  ordem, nós simplesmente não condenamos a desordem” (p.117).

A autora chama atenção para a marginalidade na sociedade como sendo algo não intencional, acarreta no estigma e traz uma perigo ao padrão. Os indivíduos marginais não tem um lugar definido na estrutural social.

A potência da desordem é também reconhecida pelo ritual. Isso porque seria justamente  nesse estágio – composto de sonhos, desmaios e frenesis- que se alcançaria o “dom”  de descobrir  os poderes e as verdades que não são alcançados estando a mente num estado “normal” (que pressupõe a não ida aos lugares desconhecidos desta) e  de certo modo possuí-los.  O poder de curar é acessível apenas aqueles que tem a capacidade de abandonar o controle racional  da sua mente, por um determinado período de tempo. A ida a essas regiões inacessíveis da mente, torna quem “esteve”  nelas , diferente dos que continuaram sob o controle  de si mesmo. O conjunto de pureza e perigo, conforme  e disforme, articulado e inarticulado

Há poder do disforme, na desordem. Na estrutura social pode haver papeis muito bem definidos, papeis de manutenção da ordem. Assim o poder nesses postos é um poder regulador que a priori protege a sociedade de possíveis ameaças.

Onde o os papeis de autoridade são bem definidos, tais poderes são reconhecidos e aprovados pela sociedade. Nesse exemplo há uma relação binária. Se de uma lado temos um poder espiritual  explícito controlado e consciente, de outro há um poder incontrolável, inconsciente, perigoso. Ambíguo que coloca em ricos a forma.

É na reunião, no convívio social que os indivíduos tentam dar forma essa estrutura social.

“Através de cerimônias, linguagem e gestos, fazem um constante esforço para se expressar e para concordar numa visão de como é a estrutura social relevante” (p.125).

Para Douglas a sociedade seria um sistema composto de diversos subsistemas, e assim como Durkheim ela acreditava que o sistema religioso seria capaz de expressar a lógica da sociedade de maneira geral.

A autoridade é um poder muito vulnerável. A posição do líder requer uma conduta ordenada na estrutura explícita. A acusação de bruxaria é um ponto chave para entendermos como a sociedade regula a conduta, serve de controle político numa lógica competitiva onde os lugares não são fixos, carecendo de legitimidade.

Onde a estrutura  é frouxa o poder não está investido somente nos pontos chaves da sociedade. Existem formas de contágio onde as benções advêm de uma natureza autônoma. É o caso do baraka, ele flui na sociedade de maneira espontânea independente da estrutura política formal.

Há um controle e concomitantemente afirmação social por meio da acusação de bruxaria  que reforçam a estrutura social.  Em contra partida o baraka funciona no mesmo nível da bruxaria de forma inversa, como uma admiração institucionalizada, transmitido materialmente.

Destarte podemos considerar que as crenças espirituais nunca estão destituídas da influência da estrutura social. O poder espiritual colabora com o poder político. A função e a estrutura convergem para o mesmo fim.  O que consideramos como poluição é uma forma de transgressão da ordem é algo para além da razão e para além dos limites do social. Os papéis  estão atrelados a ideia de função desempenhada dentro da sociedade. Há um esforço de natureza social, regulador que visa manter as coisas em seus devidos lugares.

3 Comentários

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3 Respostas para “Poderes e Perigos

  1. O pensamento de Mary Douglas demonstra claramente o quanto a estrutura religiosa reflete de um contexto social que visa uma manutenção das coisas. Nesse aspecto a manutenção tem o profundo papel de seguridade e proteção de valores que são tidos e considerados por grupos sociais como fundamentais. Para mim esse texto, muito bem escrito por sinal< é um grande reflexo das convergência entre dois campos que se autonomizado aos poucos mas que não causa necessariamente uma independência, pelo contrário uma interdependência.

    A transformações sociais tendem a modificar paradigmas e estruturas das próprias religiões, e as últimas são mais dificilmente penetráveis a um diálogo. Não é a toa que na modernidade grande parte das transformações surgem por fora da religião e posteriormente, novos conceito e paradigmas adentram em espaços sagrados. Exemplo disso são as participações de mulheres em rituais que antes eram estritamente masculinos, grupos de religiões afro que visam sacrificios e oferendas de vegetais ao invés do animal, igrejas cristãs casando homossexuais e a um grande tempo atrás a permissão de negros entrarem em templos de mormóns.

    Vale ressaltar que a religião tem sim, sua parcela de mudança estrutural para fora do ambito religioso, como os progressistas católicos que formaram e deram base (e dão até hoje) a movimentos sociais e lutas por dignidade humana.

    Cabe saber como conciliar as duas perspectivas, num contexto que até ateus se organizam e seguem lógica das religiões para contesta-las.

  2. Joacy Gomes Ferreira

    A ideia função e estrutura é o que ne chama mais atenção nesse texto de Mary Douglas. A referência à ordem e a observação em comportamentos adequados para que a mesma seja mantida faz entender o quão grande é a necessidade de pradonização na forma de agir dos indivíduos o que torna claro o poder da religião na organização da “coerência” coletiva. Algo bem semelhante à visão de Goffman e que parece corroborar com o pensamento Durkheimiano.

    A mensão de marginal e a concepção de duplo vinculo ameaçadores da ordem de fato possibilita compreender onde pode estar a sujeira e o que dá a ritual o seu papel definitivo na estrutura, excluindo assim o poder neutro da crenças, observado sempre que elas direcionam-se para um lado específico e mantenedor dessa ordem. Mas automaticamente surge a questão até que ponto uma nova ordem social pode reestruturar os ideais religiosos? De fato é de se inferir que ambos são lentos e possivelmente só observaveis após validados e efetivados.

  3. Antonio Marques

    A religião tem um papel fundamental na categorização dos indivíduos, principalmente se tratando de sociedades “estáticas” onde a função social é de vital importância para o grupo e justamente essas categorias de pureza e perigo remente as questões sociais e da prestação de contas que o individuo deve dar a sua sociedade, mas como pensar essa questão na modernidade enquanto as religiões aparecem a todo momento e não há uma vinculação completa, nem uma transformação do self, aparentemente a conversão não acompanham uma mudança no status e na função social do individuo a multiplicidade dos status continuam, ao que me parece, presente no ser.
    Pensar pureza ou perigo dentro desas condições tão relativas que as religiões modernas se propõe é um desafio e tanto.

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