COMO A MODERNIDADE E A RELIGIÃO DIALOGAM

COMENTÁRIOS AO TEXTO “A DESSECULARIZAÇÃO DO MUNDO: UMA VISÃO GLOBAL”, de Peter Berger

Por Luiz Tagore Fernandes Martins

Para falar do que o Autor intitula de “dessecularização” é de bom tom revisitar o que seria “secularização”, ainda que esta explicação se mostre despicienda a muitos que lerão este texto, em linhas rasas e na perspectiva do próprio Berger, trata-se do declínio da religião, em suas práticas sociais e individuais, em razão do avanço da modernidade.

Tentando possibilitar ao leitor uma visão panorâmica, Berger defende ser falsa a afirmação de que o mundo está cada vez mais secularizado, e que, ao menos em linhas gerais, o avanço da modernização enfraqueceu a religião, em uma perspectiva divergente, para ele o mundo é hoje tão religioso quanto antes, “e até mais em certos lugares”.

Refutando a Teoria da Secularização – a qual, segundo ele, não estaria completamente equivocada, e que ele mesmo já compactuou e contribuiu para  a construção de alguns dos seus postulados – aponta que de fato em alguns locais é possível observar efeitos tidos como secularizantes, mas que há também a constatação quanto ao surgimento de movimentos de contrassecularização, e frisa, ainda, que o fato de uma algumas instituições terem sido enfraquecidas não significa que as crenças e práticas também foram mitigadas.

Assim, logo no início é possível verificar uma certa ambiguidade nas proposições trazidas pelo Autor, que podem facilmente deixar o leitor um pouco confuso, afirma que não há secularização nos moldes que alguns sociólogos (sem citar nomes) defendem, no entanto, ao desenvolver o seu conceito ele acaba por desconstruir a sua negativa, ou seja, ao afirmar que há uma dessecularização ele afirma, em certa medida, que há (ou houve) uma secularização.

Nesta perspectiva, Cecília L. Mariz, em seu texto “Secularização e Dessecularização: comentários a um texto de Peter Berger, afirma que “quando Berger escolhe o termo dessecularização ele reconhece ter havido um processo de secularização em algum momento”(Mariz: 2000; p.26), o que denota fortemente a sua contradição, por ele afirmar que não houve declínio das religiões.

Apesar do texto causar uma impressão inicial de que o Autor irá apontar nitidamente a dessecularização como um contra-movimento a uma possível secularização ocorrida em algum momento, há na verdade um percurso dotado de algumas ambiguidades, o que o próprio Autor denomina de perspectiva nuançada, é, em certa medida, uma assunção de que a complexidade que circunda esta temática requer uma análise detalhada de caso por caso.

Reforçando essa perspectiva matizada, o Autor aponta que a tese da secularização é “valorativamente neutra”, ou seja, serve tanto aos interesses que a veem como algo bom, quanto por aqueles que a veem como algo ruim.

Como o texto consiste em uma análise rasa da problemática, com poucos referenciais práticos que possibilite uma maior credibilidade às suas constatações, há um certa dificuldade em se acreditar que existem apenas duas exceções à dessecularização – a Europa e alguns grupos que compõem uma “elite globalizada” – já que curiosamente ao apontar que ainda existem estudiosos (e mais uma vez sem citar nomes) que defendem a secularização, os quais fariam parte daquilo que o Autor denomina de “tese da última trincheira”, também são apontados dois movimentos como exceções à perspectiva secularizante: o Islamismo e o Evangelismo.

Logo, cria-se um certo obstáculo para se concluir qual das constatações de fato está se referindo realmente à exceções.

E relativizando a própria dessecularização, Berger admite que muito dos movimentos de contrassecularização deverão ser afetados por mudanças futuras, sobretudo, em razão delas estarem vinculadas, em geral, a forças não religiosas, assim, ao citar os movimentos islâmicos faz um rápido prognóstico de que a chegada ao poder político os levará a mudanças de postura, conquanto, no pentecostalismo, a elevação do grau de qualificação educacional e da condição econômica dos seus fiéis fatalmente  levará a um questionamento das características religiosas e morais de sua crença.

Aqui se mostra imperioso apontar que ao ser utilizado nesta tradução a expressão “evangélicos” não está se referindo a todos os protestantes, que são vulgarmente chamados de evangélicos, e sim aos membros das igrejas mais conservadoras, onde, inclusive, algumas pentecostais podem ser incluídas.

Retornando a perspectiva de mundo secularizado, o Autor aponta que existem duas estratégias possíveis para esta situação: a adaptação e a rejeição, onde minucia as hipóteses de rejeição em dois modos, por meio de uma revolução religiosa, onde seria imposto uma religião contra-moderna, ou por meio da criação de subculturas religiosas, que, a priori, seriam grupos de cultura hermética que rejeitariam qualquer tipo de influência do meio que o circunda, conquanto, a adaptação se daria por meio da harmonização dos ideais e práticas religiosas à modernização.

Em outro ponto, ao que parece apresentando mais uma autonegação a uma parte de sua premissa inicial de que não houve secularização, Berger aponta que as instituições e movimentos religiosos que se preocuparam em se adaptar à modernidade estão em franco declínio, enquanto os grupos marcados pelo conservadorismo e ortodoxia são os que mais crescem.

Neste ponto, não há como mencionar a postura adotada pelo Vaticano em relação a algunas temas-tabus para a Igreja Católica, como o aborto e o sexo antes do casamento, apesar do Catolicismo se fazer presente em sociedades desenvolvidas do Ocidente, verifica-se que há uma opção em rejeitar a postura modernizadora, para, assim, defender velhos dogmas contra-modernizadores.

Para Berger, a postura da Igreja Católica sintetizaria as dificuldades das estratégias possíveis, o Autor se refere a postura oposta ao Iluminismo, que teve o seu ápice em 1870, onde o Vaticano proclamou a infalibilidade do Papa e a concepção imaculada de Maria, e ao Concílio Vaticano II – que escolheu Karol Wojtyla como Papa – de 1962, onde esta postura teria sido mitigada por um processo de aggiornamento(atualização), tendo o pontificado de João Paulo II caminhado entre a rejeição e adaptação.

Aponta ainda o Autor que este impulso conservador (rejeição) do Vaticano em relação a alguns temas produziu resultados interessantes para Igreja, tanto em número de conversões como no “entusiasmo renovado entre católicos de origem, especialmente em países não-ocidentais” (Berger: 2000; p.13).

Sendo o Islamismo e o Evangelismo, já mencionados neste texto, os movimentos que recebem maior ênfase do Autor, dentre os apontados como florescentes, ficando nítida a sua preocupação em distingui-los, para ele o primeiro é dotado de fortes características políticas e culturais, sobretudo, por resgatar crenças e práticas que foram esquecidas, e findaram por ser resgatadas em tradições contra-seculares, alicerçadas em leituras de textos sagrados que preceituavam normas ortodoxas de comportamento.

Este movimento é responsável não só pelo resgate de crenças anteriormente mitigadas, mas também por uma maciça obtenção de convertidos, inclusive em países em que os muçulmanos não compõem uma maioria.

Ainda sobre o Islamismo, o Autor refuta a tese de que as práticas mais tradicionalistas estariam dissociadas da elite intelectual destes locais, aponta que esta conduta é notada mesmo em pessoas com educação superior de modelo ocidental, embora, segundo ele os movimentos mais ortodoxos carreguem, notadamente, feições populares, em uma nítida contraposição às elites secularizadas.

O que na verdade se coaduna há uma outra afirmação de que os movimentos de resistência tendem a atrair pessoas que simpatizam com o comportamento anti-secular, ainda que por razões não religiosas, como, por exemplo, por aqueles que afirmam terem tido as suas crenças violadas.

Quanto à explosão evangélica, frisa-se a questão da transformação cultural, em especial quanto ao ethos educacional e da rejeição do machismo, essa constatação dimensiona as distinções existentes entre o Evangelismo e Islamismo como movimentos de dessecularização, sem dúvida esta constatação sintetiza que cada movimento religioso dialoga de uma forma com a modernidade.

Ao fim, revisitando uma das exceções a dessecularização, verifica-se que ao apontar a Europa como argumento de comprovação de um raro caso de secularização, onde teria ocorrido a redução de práticas ortodoxas e de um comportamento eclesial, não se faz qualquer menção, quanto ao fato de que por ter surgido em países do norte da Europa, haveria a influência ou não da tradição pagã que existe em alguns destes países.

Seria talvez, então, a secularização mais um caso de uma perspectiva eurocêntrica das Ciências Sociais, onde a partir de um fenômeno quase que exclusivamente europeu tende-se a acreditar que ele se faz presente em outros pontos do globo?

4 Comentários

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4 Respostas para “COMO A MODERNIDADE E A RELIGIÃO DIALOGAM

  1. Com efeito, eu acho que o principio de secularização não pode ser generalizado mundialmente, e mesmo numa escala nacional Esse conceito poderia ser visto com uma ferramenta teórico para pensar uma situação particular, local, duma comunidade ou dum grupo dado, afim de pensar uma tendência ou um processo. Pois mesmo na Europa, a questão da secularização é em debate. Por exemplo, a França poderia aparecer como um exemplo de secularização, com a proclamação dum estado laico, contudo na observação existem vários movimentos de revindicações religiosas. Só, a diferença que poderia ser anotado entre o período duma França oficialmente religiosa, e católica, e uma França laica e « secularizada », é a diversificação das religiões mas igualmente a legitimação social dessas. Com efeito, hoje em dia, tem comunidades tais que católica, protestante, islâmica, judeia, budistas (de maneira não exaustiva) que são importantes tao no plano politico, cultural que social. Assim, podemos falar de secularização, em vista dessas comunidades religiosas que continuam a empreender ações para o reconhecimento e a difusão das suas valores ?
    Demais eu acho interessante de ilustrar essa questão com debates que aconteceram na França (ainda…), e que interrogaram a ecologia como uma nova forma de religião. Ou ainda com outras palavras, a ecologia poderia ser considerada como preenchendo o papel e o espaço da religião onde essa falta (Hervieu-Léger D., Kay J. etc.). Então, mesmo se essa comparação possa parecer uma pouco extravagante, poderia ser muito interessante de analisar o movimento ecológico segundo essa perspectiva. De toda maneira, isso pergunta ainda o conceito de secularização : os grupos humanos podem realmente manter-se sem religião, ou sem uma cosmologia parecida ?

  2. Swellington Albuquerque

    De certa forma desde as culturas mais antigas o homem, sempre utilizou-se de mitos, crenças, os quais compreendiam seus valores, comportamento e modo de vida, ou seja, a própria religião era a ciência utilizada, como ilustra Durkhein em “as formas elementares da vida religiosa”, sendo assim o processo de secularização é construído sobre a negação de tudo aquilo que é religioso, mas a própria construção da ciência teve princípios religiosos. A secularização seria um processo que possibilitaria o avanço da humanidade? Alguns dizem que sim, outros que não, na própria ciência social o que prevalece seria o discurso, assim talvez realmente como discute o texto haveria um certo eurocentrismo que exporia um subintenção de afirmar a construção da ciência por seu ponto de vista.

  3. Rodrigues

    Ótimo texto apresentado pelo colega de turma. Muito bem construído, e ilustrado com fatos acontecidos na realidade. Minha opinião, vai na direção de concordar com o autor da postagem. Bem, o processo de secularização nas sociedades modernas já tinha sido apontado por Nietzsche e Marx Weber ainda no século XIX. Porém, a grande contribuição teórica para pensar o conceito de securalização foi dada por Peter Berger, o qual analisa o conceito com bastante rigor teórico e metodológico. Quando o mesmo autor fala de “dessecularização”, não é que ele esteja negando ou descartando a sua primeira posição apresentada no livro “O dossel Sagrado”, mas sim complementando o conceito e percebendo que nem todas as sociedades passaram por um completo processo de secularização. Nesse sentido, Berger concordar com Habermas, que no seu texto ” Fé e saber” , mostra o lugar e o sentido do fenômeno religioso numa sociedade pós-secular, “que postula a secularização ao lado da persistência das comunidades religiosas”. Assim, o que temos é a persistência da religião, numa sociedade que também pretende ser secularizada.
    Forte abraço!!!!! Aqui acabam meus comentários, pois já escrevi 6 vezes sobre postagens do nosso blog.

  4. Giovana

    Seguimos sendo um país cristão mas um dos grupos que mais têm crescido, segundo o IBGE, é o dos sem religião. Nos anos 60 eram apenas 0,5% da população hoje é cerca7% da população (No Recife 13,3% ).
    Acredito que esses dados apontem realmente para um processo de secularização. Esse processo certamente não é linear -ou tão acelerado como se julgou anteriormente- mas existe uma tendencia de crescimento.
    O que acredito que está ocorrendo é uma maior diversidade de religiões e um processo de participação nas religiões como uma das estratégias de formação de redes sociais em um mundo de crescende desencantamento e e crises estruturais. Ou seja: a vinculação – quando ocorre -teria mais o carater de demanda por rede do que propriamente de uma vinculação de fé.
    Sendo assim poderiamos intuitivamente entender que exista um processo de secularização que é externo ( redução do número de sujeitos aderem a uma religião) e interno ( redução do elemento dogma por dentro das religiões).

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