Trânsito Religioso no Brasil e reflexões sobre os dados do censo 2010

Por Ana Patrícia Braga & Maria Luíza Albuquerque

O objetivo do artigo, Trânsito Religioso no Brasil, circunscreve no estudo do fenômeno de fluxo e interação religiosa em um “macroprocesso de contínua síntese e diferenciação”( MONTERO, P. e ALMEIDA, R. Trânsito Religioso no Brasil. Pág 02.).

Nesse contexto, pretende analisar as circulações de pessoas entre as religiões, assim como as metamorfoses das práticas e crenças religiosas. Pretende-se, então, traçar uma configuração atual das principais crenças religiosas no Brasil.

Evidencia-se, nesse contexto, a necessidade de estabelecer outros parâmetros que desafiam a interpretação científica e contrapõem especialistas e adeptos. Fica claro, aos autores, por exemplo, que o conceito weberiano de conversão não se adapta mais a nova realidade e que a teoria que faz alusão à idéia de mercado é mais coerente quando se percebe o aumento das alternativas religiosas e suas constantes circulações de fiéis, que buscam as realizações imediatas de suas necessidades.

Essa teoria do “mercado religioso” denotaria também a idéia de racionalização do sagrado no mundo moderno. No entanto, essa teoria acaba por ocultar a resignificação das crenças religiosas e o permanente processo de reinvenção que diminui as fronteiras entre as crenças.

Percebe-se, porém, que esse constante fluxo entre os diferentes códigos religiosos só é possível a partir da “existência de um substrato cognitivo e/ou cultural comum as religiões populares brasileiras”( MONTERO, P. e ALMEIDA, R. Trânsito Religioso no Brasil. Pág 02.), que pode ser observada na idéia de um Deus que incorpora todas as variantes e na representação ambígua do mal.

Algumas características socioeconômicas veem influenciando o trânsito religioso no Brasil, indicando que as pessoas não mudam de religião aleatoriamente. Diante disso, existem três vértices da mobilidade religiosa, que são:

1- O Catolicismo, que vem perdendo grande quantidade de fiéis, visto então, como doador universal tanto de pessoas como de todo o campo semântico religioso. Os grupos preferenciais pra onde migram os “ex-católicos”, são os Pentecostais e os sem religião, vistos como receptores, sendo este último um receptor universal.

2-O grupo identificado como Sem religião, representam um repertório particular de crenças e práticas variadas, mas que não se identificam com nenhuma religião, se caracterizando assim com um estilo de vida (neo-exotérico). No entanto, existe uma fronteira pouco expressiva entre esse grupo e os que se dizem católicos não-praticantes.

3- Os Pentecostais, que têm como grupo privilegiado na busca por fiéis, as religiões afro-brasileiras, por entenderem ser um modelo religioso a ser combatido. Embora, a maioria dos seus adeptos seja ex-católicos.

Fonte: Almeida e Montero.Trânsito Religioso.

Observa-se também que, existem pessoas que se identificam, por convenção social, como sendo de determinada religião, mas que não a praticam periodicamente ou praticam atos de outras religiões. Isso é dado como exemplo pelos autores, que kardecistas e praticantes de religiões afro-brasileiras não deixam de se identificar como cristãos e católicos. Este é o caso também de católicos “não-praticantes”, que apenas atuam em ritos de passagem tradicionais da sociedade brasileira como, o batismo, casamentos, enterros, etc. Outro dado interessante analisado é que a maior parte dos ex-protestantes e dos ex-kardecistas se tornam sem religião, devido a conteúdos específicos dessas religiões que tendem à secularização.

Em relação à frequência prestada aos serviços religiosos, os adeptos das religiões afro-brasileiras são os que se destacam por nunca faltarem com o compromisso de estar presente em seus atos ritualísticos. Pois, isto estaria intrinsecamente ligado ao pertencimento da religião. Já a religião Católica e a Pentecostal, estariam mais ligadas à questão comportamental, e não ritualística.

É apresentado pelos autores, através de dados quantitativos que, o Pentecostalismo é a religião que predomina nos estratos C e D, sendo 65,2% formado por fiéis com o fundamental incompleto, por tanto, é onde a baixa e média escolaridade e renda predominam. Em contrapartida, o Espiritismo e as religiões afro-brasileiras, são as que possuem o maior nível de escolaridade e variam entre os extratos (B e C) e (B e D), respectivamente.

Faz-se necessário salientar que, devido à perda de boa parte dos fiéis, pelo catolicismo, tendo este passado de 73,6% em 2000 para 64,6%, de acordo como os dados do censo de 2010, houve uma reação conhecida como Renovação Carismática que é vista como um novo padrão de religiosidade e como uma interação do Catolicismo com o Pentecostalismo e o Protestantismo histórico, que visa conquista de novos adeptos e readesão e de ex-fiéis.

Outro exemplo de interação religiosa é a da Igreja Universal com a religião Umbandista, incorporando formas de apresentação e mecanismos típicos da Umbanda.  Fazendo também uma associação dos deuses da Umbanda e do Candomblé com o Diabo.

A Igreja Universal e a Renovação Carismática são produtos mais recentes no cenário religioso brasileiro e, por isso, exemplificam como se fosse possível recuperar parte do processo de interação e transição entre os fiéis.

Contudo, para melhor compreender o processo de transição e interação religiosa no Brasil, há a necessidade de um aperfeiçoamento metodológico nas pesquisas qualitativas. Pois, percebe-se que esse processo está intrinsecamente ligado à trajetória de vida de cada indivíduo. Neste contexto, podemos citar que uma mesma pessoa possa passar por diversas religiões durante a sua vida e vir a ter uma visão mais ampla da religiosidade do que a sua própria religião.

Os dados do censo 2010 vêem a demonstrar esse intenso processo de trânsito religioso no Brasil, visto que se entende, na sociedade brasileira, um campo plural religioso complexo.

Dentre os dados importantes coletados pelo censo, se confirmam o acelerado processo de perda de fies, pela Igreja católica, e a ascensão do Movimento Evangélico no Brasil que passou de 15,4%, em 2000, para 22,2% em 2010, um aumento de quase 16 milhões de pessoas. Isso significa que o movimento da Renovação Carismática, iniciada pela igreja católica, não surtiu o efeito esperado enquanto que o Movimento Evangélico continua crescendo exponencialmente e poderá ultrapassar a hegemonia católica no Brasil. Embora isso seja apenas uma tendência e não uma previsão, já demonstrado um dinamismo do campo religioso no país.

Outro dado importante a ser esclarecido é a própria movimentação de fies dentro as Igrejas Evangélicas, nisso podemos notar um crescimento da Assembléia de Deus em relação à Igreja Universal e também um crescimento das vertentes tradicionais e históricas do movimento evangélico. Esse dinamismo, dentro das próprias instituições evangélicas, permite a compreensão que o movimento pentecostal no Brasil é uma construção processual e não estática; o que facilita o trânsito de fies dentre elas.

Uma dificuldade notada nas pesquisas relacionadas à religião, em especial o censo, é a imprecisão dos dados, devido a diversos fatores dentro de toda essa complexidade, dentre elas destacam-se a dificuldade de nomear as religiões, já que essa preocupação de nomeação é muitas vezes mais importante para o pesquisador do que para os próprios religiosos, e as formulações metodológicas da pesquisa que acabam por ignorar as particularidades das regiões que possuem meios culturais diferentes.

Algo ainda a ser destacado é a diminuição do ritmo de crescimento do grupo nomeado Sem religião, isso se dá também pela tensão que existe entre o individualismo religioso e a institucionalização das religiões. Dentro desse grupo há ainda uma diminuição daqueles que se denominam como ateus e agnósticos. Revelam-se ainda percentagens mais elevadas de pessoas do sexo masculino nos dados de cor, sexo, faixa etária e grau de instrução do censo; e o aumento total de espíritas e do conjunto pertencente às outras religiosidades.

Todo esse aumento do dinamismo no campo religioso brasileiro demonstra um esfacelamento dos laços tradicionais e uma maior flexibilidade dentre os limites das fronteiras institucionais religiosas, embora se admita uma tensão entre aqueles que possuem uma relação de clientela em meio às ofertas crescentes do campo religioso brasileiro e aqueles que assumem uma identidade fixa no campo religioso.

1 comentário

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Uma resposta para “Trânsito Religioso no Brasil e reflexões sobre os dados do censo 2010

  1. Luiz Tagore

    O sincretismo religioso, tão arraigado no imaginário do povo brasileiro, possibilita que esse trânsito ocorra sem grandes constrangimentos.
    De mais a mais, a detecção dessas movimentações se deve também à multiplicação de alternativas religiosas e a percepção de que a fé se comporta como uma mercadoria que é consumida “de acordo com a necessidade” do fiel, bem como ao desprezo ao Catolicismo que tem perdido o seu lugar de identidade religiosa pública e vendo os seus fiéis, em especial os não-praticantes, se dirigirem às religiões neo-pentecostais, evangélicas tradicionais e ao Kardecismo.

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