Betwixt and Between

Por Antônio Marques e Lucas  Oliveira

Victor Turner apresenta-nos uma discussão sobre os ritos de passagem nos quais estão inseridas aspectos fundamentais das religiões. Na oportunidade, o autor insere exemplos como “ritos de iniciação” que estariam mais latentes nas sociedades mais simples. É bom lembrar que os ritos formam categorias nas sociedades, neste sentido, ganha força a expressão de que o rito gera uma sociedade religiosa diferenciada entre estados de iniciação. Por exemplo os judeus circuncidados e judeus não circuncidados que constituem dois grupos diferentes entre si e que podem conferir um determinado “estado” que possui um status mais abrangente que um determinado cargo ocupado na sociedade, portanto, o estado o qual se refere a religião se refere a um estado perene e reconhecido socialmente. Há ainda o chamado “estado de transição” que culminam na transformação do estado pessoal em outro superior. ritos de passagem que são conhecidos como ritos que “acompanham qualquer  mudança de lugar, estado, posição social ou idade.” (Van Gennep).

Existe uma diferença crucial entre “ritos de transição” e “estado”. O primeiro se caracteriza em três fases segundo Van Gennep, que seriam: separação margem e agregação. Na primeira fase o comportamento simbólico requer um afastamento de seu estado anterior e, portanto, uma reunião de elementos que possam caracterizar um estado de transição progressivo em cada indivíduo. Durante o período limiar, o indivíduo perpassa por questões ambíguas, pois ele está atravessando por um período de adaptação e de transformação de seu status possuindo um novo lugar na sociedade, e por fim através da reafirmação de uma prática em que direitos e deveres lhes são conferidos, o indivíduo se estabelece como possuidor de novas obrigações perante o rito, conferindo-lhe um novo status social. Podemos citar a biologia como exemplo, um feto que se desenvolve, nasce, passa pela infância, pela puberdade, alcança a fase adulta e declina na velhice, assim também ocorre nos ritos de passagem das religiões que possuem características próprias e elementos que irão identificar a posição de cada indivíduo dentro das referidas camadas (estados) inseridos em cada sistema religioso.

Os ritos de passagem geralmente estão muitos ligados ao corpo, pois em sociedades tribais as divisões são geralmente marcadas pelo corpo como a idade, sexo e etc, e este estado liminar, que é o período entre esses estados fixos, remete a passagem entre esses períodos, o menino que se torna homem, a menina que se torna a mulher, o estado limiar é um estado onde o iniciado deve aprender o que estar por vir, é um aprendizado para a vida, que liga o individuo a sua cultura. A situação de transformação sempre remete a uma transformação antológica do ser e esse estado liminar pode ser tanto individual como no caso de uma crise, quanto por um grupo no caso de uma guerra tribal por exemplo.

Ao contrario de Mary Douglas que estuda as situações estáticas da liminaridade, Turner foca nas dinâmicas e no caráter processual da transição, mas os dois taratam de entender como os ritos mostram as categorias de “pureza e perigo”. O estado liminar é tanto Interestrutural como aestrutural, isto é o individuo em estado liminar está entre estruturas, e também é invisível! Em dois sentidos, tanto no sentindo físico, quando é afastado da “vistas” dos demais indivíduos; quanto no estrutural, quando é retirado de suas “funções” sociais.; neste caso há toda uma simbologia no estado de liminaridade como o não-mais-classificadas e ainda-não-classificadas.

O simbolismo da morte – O individuo morre para se tornar outro individuo, no caso uma nova posição social, ele é o não-mais-classificado, assim como o cadáver.

O simbolismo do embrião- O individuo está sendo gerado, é o devir de suas funções, ele é o ainda-não-classificado.

O simbolismo da androgenia – O individuo é destituído da posição que seu gênero tem na sociedade, por exemplo, um homem que um ritual sonha com a simbologia feminina será considerado como uma mulher, isto não quer dizer necessariamente que não forme família ou seja um guerreiro, mas terá um status social ligado ao feminino.

Os iniciados estão em posições quase igualitárias dentro dessa estrutura interna do grupo liminar, os participantes por se verem destituídos das obrigações de seus papeis tendem a serem mais solidários entre si, a ajuda mutua auxilia a passagem do processo de aprendizagem e mostra como a tradição e o grupo exercem um valor maior dentro desse ritual.

A tradição é expressa nessa aquisição do conhecimento, por exemplo, os sacros que rementem ao grotesco e fazem os iniciados pensar abstratamente sobre a sua tradição e a sua sociedade expressa nos papeis que serão adquiridos. Assim como o sonho que é aparentemente irracional, mas revela a organização do pensamento e expressam a posição do individuo.

O processo liminar é acima de tudo um processo pedagógico onde a aparente racionalidade dialoga incessantemente com a organização social, onde os ritos mostram o que cada um deve ser e como devem ser, o rito mais grotesco a imagem mais macabra tudo isso tem  um sentido maior do que a própria imagem, é no processo que se constrói o self e legitima a posição do individuo dentro dessas sociedades.

8 Comentários

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8 Respostas para “Betwixt and Between

  1. Rebecca Melo

    O texto, mais uma vez muito bem escrito, já se antecipa na ideia da próxima avaliação onde foi sugerido a comparação entre autores, por sinal. Apesar de Turner trazer a ideia de ritos de passagem, acho o conceito de liminaridade de Mary Douglas fantástico, inclusive estive pensando nesses dias sobre diversos exemplos de liminaridade bastante simples e do nosso dia-a-dia que antes de dominar o conceito passavam despercebidos. Muito interessante mesmo!

  2. Maria Luíza Albuquerque

    Muito bom o texto, não sei nem se tenho o que comentar.
    Só gostaria de expor algumas ideias. Ao lembrar que os ritos formam categorias nas sociedades, lembrei que poderia ser usado como exemplo os rituais de passagem dos jovens hindus quando eles já estão preparados para a fase adulta que difere dos ritos dos jovens bramanes. Isso exemplificaria o “estado” de se possuir um status mais abrangente que um determinado cargo ocupado na sociedade, o estado ao qual se refere a religião seria um estado perene e reconhecido socialmente, reafirmado e perpetuado através da tradição. No caso dos hindus, uma vez bramane, sempre bramane, ou uma vez Sudra, ou Vaisya sempre será desta casta, legitimando a posição destes dentro da sociedade.

  3. Só destacando um ponto, o fato dos ritos de iniciação estarem mais latentes em sociedades mais simples se da pelo fato dessas estarem mais datadas pelo ritmo biológico. A principal diferenciação se da pelo sexo e idade. Na nossa sociedade temos o exemplo dos casais que demoram muito a ter seus filhos, a sociedade um tanto que marginalizam esses indivíduos. Tenho dificuldade para pensar em exemplo em nossa sociedade onde o individuo é colocado em posição tão ambígua.

  4. Gostei muito desse dialogo entre o texto de Mary Douglas e esse, de Turner, mas igualmente a ligação com a obra de Van Gennep, que eu acho fascinante. Aqueles autores oferecem uma abordagem diferente, mas finalmente complementares, dum mesmo conceito, e essa comparação enriquece muito o debate e a reflexão.
    Só, Raoni Neri da Silva, não estou com certeza de ter entendido tua observação, desculpe! Você quer dizer que os ritos de passagem tem mais importância na vida e na organização social das sociedades mais simples, primeiramente porque elas são ritmadas pelo biológico, tao corporal que ecológico. Você enfatize o exemplo dos casais quem demoram a ter filhos, exemplificando que nas sociedades mais complexas eles não serão marginalizados ao contrario que numa comunidade restringida. Eu acho que essa necessidade de marginalização nas sociedades mais simples pode ser explicada pela importância do mantido da coesão do grupo, a qual a sobrevivência e a reprodução daquele dependem. O não respeito das regras da organização social implica uma fragilização do coerência do grupo e de fato o leva em perigo. De fato, isso implica a necessidade duma dessocialização temporária do individuo culpado até a sua reintegração, que se joga pela performancia daquelas regras, as vezes por uma punição, mas de qualquer maneira se concretiza por ritos de passagem. Contudo, nas nossas sociedades mais complexas, mais complexas principalmente porque numericamente maior, um casal quem não se conforme as normas não vão levar a sociedade no seu conjunto no perigo, pois é numericamente importante e podemos pensar que a maioria dos outros casais respeitarão essa exigência social (a de ter filhos num momento particular da vida). Mas podem ser anotados dois contraexemplos: se a sociedade mesma não aplica de dessocialização ou uma marginalização desses membros, grupos de pertencimento daqueles indivíduos podem. Assim, o grupo familial ou de trabalho podem estigmatizar esses indivíduos, pois além de pertencer a uma sociedade global, cada indivíduo pertence primeiro a grupos menores que funcionam como sociedades simples, e que no seu conjunto formam uma sociedade complexa. Se me lembre bem, é o que Roger Bastide chama do principio de “coupure”.
    Segundo, numa sociedade cuja natalidade é muito fraca e cuja população se torna mais velha que jovem, a importância de ter filhos vai tornar-se primordial, e esse tipo de casal pode conhecer uma marginalização igual à duma sociedade mais simples, pois o comportamento daquele casal leva o conjunto da sociedade no perigo. Eu penso no exemplo da França que conhece um envelhecimento significativo da população: assim, o fato de ter muitos filhos é socialmente valorizado e apoiado por leis e ajudas institucionais, pois a população tem a tendência a demorar a ter filhos, mas igualmente a ter poucos, o que não segura a boa reprodução da sociedade.
    Assim, depois desse grande monologo, não estou com certeza de responder a tua observação, e ainda menos de ter ficado no assunto inicial! Mas leva de toda maneira a questão dos ritos de passagem nas sociedades modernas: existem ainda, e continuam-se a ser necessários para as sociedades complexas que envolvem outras necessidades e outros mecanismos de reprodução social?

  5. Laura Hamonyta

    O texto em minha opinião ficou muito bom, isso aproxima a Antropologia de nós.

    Douglas ao pensar as relações de poder na estrutura social através da magia, norteia o papel dos agentes de forma que podemos repensar como a ordem social é produzida. Isso faz-nos refletir sopre como a estrutura, a produção da ordem, e os papeias sócias se amalgamam na cultura.

    Nesse sentido a mudança é inerente ao ciclo da vida, assim como a tentativa de buscar dar forma a nossas experiências é necessária para orientarmos nossa conduta. Se Douglas mostra a produção da ordem, Turner procura na liminaridade a explicação para a desordem.

    Os ritos de passagem apontam para um medo do desconhecido, nas modernas sociedades ocidentais também vemos isto. Outro ponto que me chamou atenção é o processo de socialização que visse trazer a persona liminar para o seio da sociedade, assim o ritual funciona como afirmação da ordem. Os sacras ensinam a se comportar. Mas em nossa sociedade será que os marginais são tratados da mesma maneira?

  6. Mônica Pedrosa

    Parabéns pelo texto!
    Sobre os comentários de Raoni e Marie, penso que a questão fundamental é a da tradição. Como Marie falou, seguir a risca a tradição é algo necessário para a manutenção do grupo nas sociedades de maior coesão e menor diferenciação.
    Dentro do que diz Turner, me chama a atenção, no momento da liminaridade, a profundidade de uma situação em que as pessoas deixam seus papéis sociais de lado, como um processo de esvaziamento e reflexão para o que está por vir. Sem dúvidas esses momentos são cruciais para suas vidas.
    “Um homem normal age de modo anormal por obediência à tradição da tribo, e não por desobediência a ela. Ele não se furta aos seus deveres como cidadão, mas prima em cumpri-los.”
    Turner chega a dizer que as pessoas podem simplesmente ser “elas mesmas”, no sentido de que não precisam carregar a responsabilidade do que são enquanto indivíduos naquele momento. Elas estão numa espécie de período de reabastecimento para poder chegar a uma nova etapa da vida.
    Penso que em sociedades mais complexas, a tradição está presente, mas de forma multifacetada. Como se tivessemos mais alternativas e margens de manobra, como se as tradições (no plural) se fizessem por toda parte e ao mesmo tempo em nenhuma parte. As formas de nos identificarmos com elas são tão variadas que muitas vezes, em meio a um ritual de iniciação, nem nos damos conta disso, nem entendemos a importância do que estamos fazendo para nós e para o grupo em que vivemos.

  7. Swellington Albuquerque

    O texto ficou muito bom e explicativo, os ritos estão muitas vezes latentes a nós mesmos e muitas vezes bem nos damos conta de quantos ritos já passamos, mas eles estão presentes todos os dias nas nossas vidas, mas destacando na característica religiosa, percebe-se que eles são de certa forma a parte mais importante para uma “evolução” dentro do grupo e que caracterizam o indivíduo, como mais integrado a esse grupo, ou seja, servem para reforçar esse sentimento de pertencimento, identificação, reforço das representação coletivas.

  8. Luiz Tagore

    O texto ficou bem escrito e conciso, acrescentaria apenas que ao ler o texto do Turner é inevitável não se recordar, especialmente, dos inúmeros ritos de passagem existentes na liturgia do Judaísmo, além do banho ritual, presente em quase todas as religiões, existem ainda os mais emblemáticos como o brit milá (cerimônia de circuncisão) e os bar mitza e bat mitza, observa-se que o sistema simbólico dos judeus atribui um enorme valor a estes ritos, sob pena de que a não realização de alguns deles implica que alguns grupos (notadamente os mais ortodoxos) se quer os considere como judeus.

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